Por que "Ilha do Barba Negra" e por que bancos "Dona Maria" e "Vitoriano", e ainda a Ponta do Salgado?

Por Danilo Chagas Ribeiro

Quem navega para o sul, a partir da foz do Rio Guaíba, em Itapuã, observa por boreste, já na Lagoa dos Patos, uma ilha alongada, conhecida por Ilha do Barba Negra. Afinal, quem era o tal Barba Negra, com esse nome que logo lembra um pirata?

Qual foi a relevância desta ilha, hoje arenosa e deserta, na história da região?

Continuando em direção ao sul pela Lagoa, deixamos por boreste o Banco Dona Maria e também o Banco do Vitoriano. Afinal, quem foram estes personagens cujos nomes passaram a denominar pontos importantes para a navegação na Lagoa?

O gaúcho Moacyr Flores, grande pesquisador e historiador da região, desenvolveu extensos trabalhos para conhecer, e mais tarde contar, a história da região.

Veja abaixo o que Moacyr Flores publicou no jornal Correio do Povo, em 7 de maio de 1983. 

"No início de setembro de 1829, o iate de José Inácio Teixeira levantou ferros do porto de Rio Grande e velejou pela Laguna dos Patos, rumo a Porto Alegre. Ventos contrários não permitiram que entrasse no canal de Itapuã. O patrão do pequeno barco resolveu abrigarse na Ilha do Barba Negra (veja carta), à espera de que o vento amainasse ou soprasse noutra direção. Mandou um batelão à ilha, com um marinheiro branco e quatro escravos, também marinheiros, para buscar lenha.

Quando estes homens estavam entregues à sua faina, surgiram mais de 30 negros armados de lanças e espingardas. Um dos marinheiros escravos se escondeu num monte de lenha e os demais, comandados pelo branco, fugiram no batelão. Os negros atacantes atiraram nos fugitivos, visando mais ao branco, mas não o acertaram.

Os negros correram para canoas escondidas nos aguapés e seguiram o batelão de perto. Vendo que os fugitivos se punham a salvo, os perseguidores tentaram a abordagem do iate que zarpou na direção de Bujuru, escapando dos quilombolas.

Depois de navegar pela Laguna dos Patos até conseguir vento favorável para contornar a ponta de Itapuã, José Inácio Teixeira tomou o rumo de Porto Alegre onde comunicou imediatamente às autoridades a existência do quilombo na Ilha do Barba Negra.

O vigário-geral Antônio Vieira da Soledade, vice presidente da província em exercício, em meados de setembro de 1829 ordenou ao tenente Luís Alves dos Santos Marques que preparasse uma expedição punitiva, com 160 soldados de linha e mais 30 artilheiros. Quase um mês depois a tropa estava distribuída na escuna "Doze de Outubro", em dois lanchões e um iate.

As embarcações aproximaram-se da Ilha do Barba Negra e ancoraram ao largo. Um dos lanchões dirigiu-se à terra e encontrou uma canoa grande tripulada por cinco escravos que, ao serem descobertos, remaram desesperadamente para a ilha, onde sumiram em desabalada carreira no meio da vegetação.

O lanchão continuou a navegar, costeando a ilha até o lado oposto, onde os soldados desembarcaram e bloquearam a fuga de seis machos e três fêmeas - conforme a linguagem da época - que escaparam para uma pequena canoa. Intimados a se entregar, continuaram a fuga. O comandante ordenou aos soldados que atirassem. A descarga violenta matou os negros e afundou a canoa.

A expedição desembarcou na ilha e encontrou apenas roças de feijão e de milho, quatro casas prontas e duas ainda em construção. Os soldados arrasaram tudo.

Apareceu o escravo marinheiro de José Inácio Teixeira, que havia se escondido no monte de lenha e fora depois capturado pelos quilombolas. Contou que enquanto lá esteve, foi mantido sob guarda e preso no tronco. O capataz do quilombo queria matá-lo porque era fiel a seu senhor e poderia denunciar o refúgio. Os demais escravos advogaram sua causa, salvando-lhe a vida. Narrou ainda que o capataz do quilombo, que morreu junto com os que tentavam fugir de canoa, era o assassino de um tal de João de Vestia.

A expedição falhou em capturar quilombolas porque eles estavam prevenidos do ataque e conseguiram fugir a tempo pela ponta da Ilha de Canguçu. Dois dias antes do ataque os quilombolas estiveram carneando na estância de Cabeçudas, de propriedade de D. Maria de Oliveira, irmã do cônego Salgado.

A expedição retornou sem nada sofrer, apenas o cadete Joaquim da Fonseca Pereira Pinto, que se achava na retranca da escuna, por imprudência caiu n'água e pereceu afogado. Estas notícias foram publicadas no jornal "O Amigo do Homem e da Pátria", edições de 18 de setembro e de 12 de outubro de 1829.

A incapacidade de os agentes repressores reunirem rapidamente suas forças permitiu que escravos da cidade avisassem os quilombolas em tempo. Segundo cronistas da época as notícias circulavam rapidamente entre os escravos que tudo viam e ouviam porque participavam como mão de obra de todas as atividades dos brancos.

A expedição punitiva, com quatro embarcações e 190 soldados, não vasculhou as ilhas e as margens da Laguna dos Patos, não percorreu as estâncias da Barra do Ribeiro e de Pedras Brancas, atual município de Guaíba, em busca dos escravos fugitivos. O comandante militar deu a missão por cumprida com a destruição de roças de subsistência e algumas palhoças. 

O jornal não se refere à proteção que os estancieiros da região davam aos quilombolas da Ilha do Barba Negra. Havia várias charqueadas nas proximidades, com trabalho mais intenso no período de dezembro a fevereiro, quando o calor do sol é maior, para secar as mantas de carne expostas nos varais. O quilombo da Ilha do Barba Negra fornecia mão de obra barata às charqueadas e às estâncias. Fora das safras os charqueadores e estancieiros não necessitavam sustentar esta mão de obra - o mesmo não aconteceria se tivessem que comprar mais escravos para os períodos de rodeios e salga de carne, pois nos momentos de crise ou entressafra não poderiam despedi-los".

O cônego Salgado, que vivia naquela região, teve seu nome denominando o arroio local "Arroio do Padre Salgado" e a "Ponta do Salgado". A denominação da ponta segue até os nossos dias, já o arroio teve seu nome trocado para "Arroio Araçá". O nome "Ilha do Barba Negra" e "Estância do Barba Negra" teve origem na figura do proprietário, que também era padre, e possuía uma barba negra abundante.

A irmã do cônego Salgado, Dona Maria, teve seu nome perpetuado no Banco Dona Maria e seu marido, Sr. Vitoriano, da mesma forma com o Banco do Vitoriano. 

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