Colunistas VDS: Astélio - entendedores entenderão

 

 

Danilo Chagas Ribeiro

 

A perda do Comte Astélio José Bloise dos Santos no dia 24 de junho passado foi motivo de muitas manifestações de pesar entre os associados do Veleiros do Sul. Comodoro do clube por dois mandatos, ex-presidente do Tribunal Nacional de Justiça Desportiva e ex-presidente da Federação de Vela do Rio Grande do Sul, Astélio foi um velejador inveterado e grande incentivador da Vela. Dentre os tantos feitos do Comte Astélio no Veleiros do Sul, destaca-se a expansão da área Oeste do clube, uma conquista que só um abnegado muito raiz, muito temperado e com muita fé no próprio taco poderia ter conquistado. Entendedores entenderão. 

 

Segue texto postado pelo Astélio no Popa.com.br, sob o título A vitória do Habeas Corpus na RGS do XIIº Circuito Conesul, em set/2003

 

A Regata Farroupilha 

vista do interior do Habeas Corpus

Aspectos táticos da regata

por Astélio José Bloise dos Santos*

 

Vinte de setembro de 2003, sábado às 11 horas , ¨Ponta da Cadeia¨ ,embarcações em evolução constante aguardando a sinalização da Comissão de Regatas para a partida da Regata Seival, Farroupilha e Velejaço.
Visual bonito, mais de meia centena de embarcações de várias classes, embarcações assistentes, público náutico acorrente ao local em função da homenagem promovida à Edmundo Soares. Aliás, Edmundo foi por muitos anos o mestre de cerimônia deste evento,e, diga-se de passagem, o melhor mestre de cerimônias que este evento da vela gaúcha possuiu em todos os tempos. Justa homenagem, justa designação do local com seu nome, enfim tudo indicava uma bela festa, uma bela regata.



A medida que os discursos promoviam atrasos na largada verificava-se um aumento na tensão dos competidores mais aguerridos que não perderam a oportunidade em promover várias simulações de largada, uma vez que, o vento rondou de quadrante e de intensidade várias vezes ,ora favorecendo o lado Leste da partida (junto ao cais), ora o lado Oeste (junto ao navio).


 

Com um atraso de uma hora e vinte e cinco minutos, enfim, iniciou-se a sinalização.
Cada competidor já havia estabelecido sua estratégia e sua tática de largada procurando defender-se da melhor forma possível das embarcações maiores e mais velozes, sem perder de vista, evidentemente, seu concorrente mais imediato.

 

Relógios cadenciados, ouvidos no rádio, adrenalina subindo pelos poros, palavras de ordem de todo o tipo ,¨putiadas mil¨ e, eis-nos cruzando a linha de partida pelo cronômetro sem ouvirmos qualquer sinal audível ou visual. Partida ótima, borda ao máximo, velas sob ¨trimmer¨ constante ,e, estamos andando. Segue-se várias avaliações de posição em relação à concorrência, a área passível de navegação, e a liberdade de manobra em função das demais embarcações e dos vários direitos de passagem que se estabeleceram nas "cambadas".

 

Já na largada verificamos que nosso concorrente em relação a regata e ao troféu Cone-Sul,a embarcação VIRTU ( Delta 32), havia partido de forma brilhante e já tinha tomado alguns comprimentos de barco à nossa frente. Contra ele seria nossa regata e nossa estratégia durante as horas que se seguiriam até o cruzamento final na linha de chegada.

Como não tínhamos ¨altura¨ para seguirmos e ultrapassarmos a próxima marca de percurso ( antiga boia 2 do canal do cristal),vários foram os bordos realizados com este intuito para W, sempre aproveitando para ¨subir¨ nas rondadas de leste e avaliando o tráfego descendo com direito. Em uma destas ¨subidas¨ verificamos o encalhe da embarcação AEON junto à margem da ¨balseira¨.

 

O AEON também era um de nossos concorrentes, principalmente para a Regata Farroupilha, já que esta era uma regata independente dentro do Cone-Sul. Nas regatas anteriores havíamos livrado boa vantagem em pontos sobre o mesmo em relação ao Cone-Sul, porém, na disputa da Farroupilha estávamos 0 a 0 .

 

Evidentemente a ¨gozação¨ foi geral dentro do Habeas-Corpus¨, porém, no fundo todos lamentavam pelo carinho e amizade que a tripulação do Habeas-Corpus nutre pelo ¨TUTU¨ (apelido carinhoso pelo qual é conhecido Lucas Ostergren). Realmente o encalhe foi lamentado ,mesmo porque, o Ader ,ausente no Habeas-Corpus nesta competição, havia disputado uma das regatas do Cone-Sul com o AEON.

 

O Habeas Corpus vinha "andando" bem e situava-se entre o grupo de vanguarda da competição, tinha tomado a dianteira de embarcações maiores , inclusive, de várias da categoria IMS . Neste trajeto até a antiga boia 2 do canal do cristal, sem que tais manobras tenham significado manobras irregulares,o Habeas-Corpus foi bastante prejudicado pelo tráfego concorrente de embarcações maiores. Kamikase de Hilton Picollo, Levado de Jankiel , o obrigaram a cambar para evitar o vento ¨sujo¨.

 

Com estas preciosas perdas de tempo e de espaço, o VIRTU, tomava a dianteira de forma irremediável, preocupando a todos a bordo. A regata a partir daí passou a ser uma perseguição implacável à embarcação VIRTU, que em função do sucesso ou do insucesso dos bordos aumentava ou diminuía a distância entre as mesmas.

 

A competição transcorreu sem maiores incidentes ou ações dignas de nota até a ¨altura¨ da Ponta Grossa quando o vento passou a variar muito tanto de direção como de intensidade. Verificava-se um CB e um ¨Rabo-de-Galo¨bem pronunciado a W, conotando que pelo menos algum ¨rabo¨de frente provocaria entradas de rajada de W .Estávamos em setembro com vento predominante de SE . Regra é a rondada a partir de determinada hora da tarde para Leste e o nosso concorrente cada vez mais se internava para Leste. Tal fato provocou grandes dúvidas na tripulação e sérias preocupações. Iríamos para W esperando as pronunciadas rajadas daquele quadrante ou perseguiríamos nosso concorrente em seu bordo ao Leste?

 

A regata tornou-se extremamente difícil naquele momento. Havia divergências extremadas entre os tripulantes. A decisão foi perseguir nosso concorrente ao Leste mas não abandonar as investidas para W. Fomos mais pelo meio e perdemos todas as rondadas. Quando estávamos no Leste e tentávamos ir para W íamos arribados (na negativa) e com vento fraco. Quando no W, não chegávamos a receber as rajadas esperadas daquele quadrante. E, nosso adversário por ser um barco maior e mais rápido, estando a nossa frente,comandava seu destino a as pegava. Em função disto obteve razoável vantagem nas imediações da Ponta Grossa, porém, ao nos afastarmos da mesma, o vento firmou e apertou, e, com alguns bordos bens sucedidos ¨encostamos ¨em todos eles na altura da Ponta do Arado. Na situação que nos encontrávamos na Ponta do Arado já tínhamos segurança de que potiávamos novamente a competição.

 

Pois bem, ao esticarmos um pouco mais um bordo para livrarmos a ilha de Francisco Manuel, nosso concorrente voltou a internar-se para Leste, saiu numa orçada positiva maravilhosa e cambou a Oeste também em uma boa rajada que lhe permitiria livrar a ilha. Nós não. Voltamos arribados em direção a ilha e subimos arribados até pegarmos a "altura¨ de nosso concorrente que voltou a obter razoável vantagem.

 

Aquela variação de vento combinado com um obstáculo obrigatório e necessário a ser vencido, foi de tal forma negativo para o Habeas Corpus, que começamos a enchergar novamente a embarcação AEON que vinha de oeste com razoável vento e velocidade. Aquele incidente, voltou a transformar a embarcação AEON em nosso concorrente. Esta mesma rajada e situação fez com que o Levado também nos suplantasse naquele momento vindo de Oeste.

 

Por curiosidade e para que o leitor se situe e situe a situação das embarcações dianteiras naquele momento, isto se desenrolava em conjunto com as embarcações da classe IMS. O Vento e Alma do Comandante Ortega sofreu as mesmas condições e percalços do Habeas Corpus, e, encontrava-se pouco adiante de nossa embarcação. O Revanche estava não muito a Oeste. O único barco destacado na ältura¨da Ilha de Francisco Manuel era o Navy Blue.
Uma vez ultrapassado este incidente na Ilha ,todos passaram a ter o mesmo vento com a mesma direção e intensidade. Aí era uma questão de velocidade e tática para suplantar o obstáculo do banco situado a leste do ¨cotovêlo¨ ,farolete marca do percurso.O vento manteve-se por um longo período meio torcido para SW , soprando em torno de 10 a 15 nós. 
As embarcações dianteiras Navy Blue, Silver Surfer, Revanche, Vento e Alma , Virtu , e , Kamikase , ao aterrarem nas cercanias do morro da Fortaleza passaram a ter o vento diminuído e rondando para o Sul puro, condição aliás que também pegamos ao chegarmos naquela região.

 

O Habeas Corpus , Levado e o AEON mantiveram-se mais tempo navegando com vento franco de SW e voltaram a retirar toda a diferença que possuíam os dianteiros. Ao bordejarmos no canal do Itapuã com vento fraco de Sul cronometramos nossas diferenças e nos tranqüilizamos. Estávamos ganhando a regata com larga vantagem, diríamos até sem falsa modéstia que se estivéssemos inscritos na IMS, mesmo com as velas de dacron de cruzeiro, até aquele momento, pontiávamos ambas categorias. Almejávamos apenas que a intensidade do vento em popa não fosse muito significativa, uma vez que, as embarcações Delta 32 são muito mais velozes nestas condições que as outra embarcações,e, a medição RGS não é apropriada para aproximar e corrigir esta diferença.

 

Contornamos o farolete marca de percurso na lagoa e iniciamos nosso retorno sabendo que apenas necessitávamos administrar a vantagem já obtida até aquele momento. O vento na metade do canal do Itapuã firmou definitivamente em um S de boa intensidade. Prevíamos sua variação para SE e E ( o que de fato aconteceu) então ,optamos por abandonar o rumo de canal na primeira oportunidade razoável,retornando em um rumo mais reto e mais orçado que os demais concorrentes, com o intuito de evitar a aproximação da chegada ¨no pincel¨. Fomos acompanhados pela embarcação AEON, que inclusive, nos ultrapassou nas cercanias da Ponta Grossa. O AEON chegou a nos tirar trinta e cinco segundos na chegada. Considerando seu encalhe inicial, esta embarcação andou muito bem, fez juz a seu segundo lugar no Cone-Sul e talvez tenha sido maltratada na Regata Farroupilha pelo que andou.

 

No mais, foi apreciar a grande navegada que a competição nos permitiu, agradecer o companheirismo e eficiência da tripulação,além dos aspectos hilariantes que desfrutamos a bordo em conjunto . Ao cruzar a linha de chegada, tomando o tempo das embarcações concorrentes, somente nos cabia correr para o abraço merecido.