Artigo de Ricardo Machion: Vida de Tripulante

 

Por Ricardo Machion/Um homem do mar

Um dia conversando com um Iatista Olímpico, disse que gostaria de me tornar um corredor de regatas, igualzinho àqueles da Volvo Ocean Race que trajavam roupas coloridas, mas ainda tinha muito a aprender...

Ele me disse; Ricardo, se você se tornar um bom tripulante, não faltará barco para velejar, mas só mais tarde descobriria a razão de sua afirmação.

Foi sugerido então, primeiro aprender a velejar um monotipo. Em princípio torci o nariz, queria os barcos grandes, os ``barquinhos´´ não me interessavam, mas é lógico, não sabia nada sobre eles!

Foi ai que iniciei minha caminhada, por sorte fui indicado para conhecer o Soling, um monotipo para velejadores grandes, que no auge dos meus 1,96 metros e aproximadamente 100 kg, encaixava como uma luva.

Queria competir, a vida a bordo não me interessava, nunca tive o sonho de dar a volta ao mundo, pelo menos não cruzeirando, nada contra, apenas não é o meu estilo. Mesmo sem ter velejado um barco, sentia que o meu negócio era a tensão, o limite, o inesperado, e parece que essas características se encaixavam perfeitamente com o perfil dos corredores de regata.

sitefinal05

Nem posso me queixar tanto assim, afinal iniciei no maior monotipo e que era maior que muitos dos barcos de oceano que eu viria a conviver durante o processo de aprendizagem.

Não perdi uma oportunidade, se precisavam de alguém para ficar esfregando o fundo do casco, lá estava eu, para alguns uma desonra, mas para mim era a única oportunidade de ouvir mais, perguntar mais e aprender mais.

Depois de muito competir e experimentar alguns momentos e situações de muita adrenalina pude entender o porquê da insistência do amigo em que eu iniciasse nos monotipos, eu ainda viveria muitos outros momentos em embarcações muito maiores, mas agora sem medo.

Nos monotipos tive a oportunidade de vivenciar planadas de balão, velejar com ventos de mais de 30 nós, atravessar com o balão num barco com mais de 40 pés, e além de tudo isso, brigar na raia dentro de uma classe com velejadores de altíssimo nível, muitas vezes olímpicos e campeões mundiais de diversas classes. O que me trouxe uma grande experiência técnica.

Aos poucos, todo o esforço empregado foi reconhecido e surgiu então o primeiro convite para tripular num barco de oceano, enfim havia chegado onde realmente queria. Uma semente fora plantada e percebi que havia também me tornado um velejador de monotipo, título que hoje exibo com orgulho.

Inicialmente na raia não mudou nada, fazia as mesmas pernas de barla-sota, mas agora num barco maior e com mais tripulantes, iniciei nos barcos de 30 pés, o que para mim hoje são os melhores barcos de raia, pois tem um peso razoável, uma área velica controlável e são muito ágeis, mas também velejei barcos maiores chegando a embarcações com mais de 70 pés.

Ficava sempre atento às datas do calendário de regatas, se tinha compromisso que não fosse profissional e fosse chamado para tripular, desmarcava imediatamente!

Mesmo que não fosse uma regata, se era convocado para ajudar a descer um mastro debaixo de um sol ou chuva, também desmarcava, a entrada do clube para mim era um tapete vermelho pelo qual fazia questão de passar.

Convites que eram a maior furada, eu aceitava com gosto, navegar em apenas 2 tripulantes toda a Lagoa dos Patos de Porto Alegre até Rio Grande debaixo de um vendaval, ondas, naufrágios, navios cargueiros e depois tomar um ônibus de volta todo úmido, era aceito sem pestanejar!

Dirigir 500 km para correr um circuito de uma semana e depois retornar para correr um mundial de mais uma semana, sim senhor, sempre pronto!

Trabalhar horas a fio para deixar os barcos em condição de competir secando e lixando a resina para ficar mais uma semana inteira me coçando, também não era problema!

Foi assim, entre muito esforço e dedicação que iniciei minha vida de tripulante, velejando barcos diferentes, em lugares diferentes, raias diferentes, conhecendo e aprendendo com pessoas interessantes tudo o que a marinharia pode ensinar, amizade, respeito e admiração pelas conquistas de cada um.

Bons ventos.