Para os armadores, os custos dos portos brasileiros são os mais caros do mundo

Fonte: Jornal do Comércio

O Brasil está prestes a mudar o centenário e milionário serviço de praticagem — que consiste no apoio para que navios cheguem aos portos com profissionais, os práticos, treinados para conduzi-los nos estreitos canais de acesso aos terminais. A Marinha reconhece que poderá dispensar, já a partir do ano que vem, a contratação do serviço de assessoria aos comandantes de navios habituados a certos terminais portuários.


Outra mudança efetiva poderá surgir de um comitê, que está sendo criado pelo governo para rever os altos custos, que, segundo os armadores, são até 1.000% superiores aos registrados em países vizinhos, o que compromete a competitividade nacional. Além disso, cria uma elite de cerca de 400 profissionais no País que, não raro, recebem até R$ 150 mil mensais, ou até R$ 300 mil mensais no Maranhão.

Empresários do setor de navegação afirmam que os custos dos serviços de praticagem nos portos brasileiros estão entre os mais altos do mundo. E citam o preço para atracar navio médio (de 20 mil a 30 mil toneladas) no porto de Paranaguá (PR): R$ 28.241,18 (pouco mais de US$ 14 mil), para operação que leva em média duas horas. Nos Estados Unidos, em portos com características próximas às de Paranaguá, dizem eles, como o de Brownsville, no Texas, no Golfo do México (também terminal de escoamento de grãos), o preço da atracação é de US$ 5.712 (cerca de R$ 11 mil). “Não queremos que os práticos ganhem mal, mas os valores que cobram aqui são estratosféricos”, diz um empresário, que não quis ser identificado. De acordo com os armadores, a diferença é ainda maior na comparação com portos chilenos: lá são cobrados US$ 1.287. Ou seja, o serviço brasileiro é 987% mais caro.

O Sindicato Nacional de Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) afirma que o custo da praticagem “afeta diretamente a competitividade das empresas”. Para atracar um navio no porto de Manaus, o preço dos serviços dos práticos, segundo os armadores, chega a R$ 250 mil. Eles podem ter de esperar três dias por um profissional. “Um prático, em média, ganha sete vezes mais do que o comandante de um navio. E não podemos dizer que a responsabilidade deles seja maior. Se o navio bate, mesmo na manobra, o responsável é o comandante, não o prático”, afirmou André Mello, um dos diretores do Syndarma.

No porto de Santos, o maior e mais movimentado da América Latina em contêineres, a praticagem é oferecida por uma única empresa, a Praticagem de São Paulo, uma sociedade de cotas que tem os próprios profissionais como sócios. A prática se repete pelo País. “Todo esse processo nós fazemos baseados na legislação; não é algo da nossa cabeça”, garante Paulo Barbosa, diretor-superintendente da Praticagem de São Paulo, rebatendo as acusações, que diz serem comuns, das companhias de navegação.

Ao todo, 52 práticos são responsáveis pela movimentação dos navios em Santos e no porto de São Sebastião (SP). Eles fazem, em média, 36 manobras de atracação e desatracação por dia. Na temporada de cruzeiros, o número chega a 60 manobras diárias. “Com a formação que temos hoje (52 práticos), daria para fazer até 180 manobras”, admite o diretor-superintendente.

Barbosa, de 54 anos, é ex-oficial da Marinha Mercante e há 18 anos dedica-se à praticagem. Repórteres do jornal O Globo acompanharam a manobra de atracação de um navio com uma carga de veículos com bandeira de Cingapura e tripulação filipina, desde a barra do porto de Santos até o terminal. Com 190 metros de comprimento e capacidade para 47 mil toneladas, a embarcação foi comandada por Barbosa durante 1h30min até completar a atração. Pelo serviço, a empresa cobrou R$ 13.345,00.

Esses custos, porém, podem estar com os dias contados. Vai começar a funcionar um comitê, com Marinha, práticos, armadores, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e os ministérios da Fazenda e do Planejamento, para enfrentar o assunto. O vice-almirante Ilques Barbosa Junior, diretor de Portos e Costas, adiantou que o objetivo é diminuir os custos, sem abrir mão da qualidade e da segurança da operação. Segundo ele, em 2013, os primeiros comandantes habituados a determinados portos poderão dispensar os serviços dos práticos. Antes, precisarão passar por um teste. Essa possibilidade existia na legislação, mas nunca foi utilizada. “Esse tipo de crítica (sobre os custos) carece de dados mais sólidos, haja vista que as diversas organizações envolvidas no serviço de praticagem (entidades, autoridades, empresas e outros) diferem sensivelmente entre os países, que também têm legislações diversas”, afirma o vice-almirante.

“O que se pode afirmar é que os preços de praticagem, de uma maneira geral, são elevados no mundo inteiro. Além disso, pela legislação brasileira em vigor, os preços dos serviços de praticagem são negociados pelas partes interessadas, ou seja, praticagem e armadores. Em casos excepcionais, onde não haja acordo, é que caberá à autoridade marítima estabelecer um preço entre as partes”, diz Barbosa Junior.

Os práticos rebatem as críticas. Otávio Fragoso, diretor do Conselho Nacional de Praticagem (Conapra) e vice-presidente sênior da Associação Internacional de Praticagem (Impa, na sigla em inglês), afirma que a praticagem no Brasil não é mais cara que a média mundial. Ele diz que a FGV fez estudo, contratado pelo próprio Conapra, que prova que, em média, os custos de Santos, por exemplo, são 10% a 31% superiores à média mundial, o que seria, em grande parte, decorrente do câmbio. “Muitos afirmam que aqui é caro, mas não provam. Basta mostrar uma nota fiscal por um serviço em outro porto”, afirmou Fragoso, na sexta-feira passada durante a atracação de navio de contêineres de 260 metros no porto do Rio, oriundo da Ásia, que pagou R$ 8 mil pelo serviço, conduzido pelo prático Durvalino Ferreira. “Para navios brasileiros de cabotagem, o custo é muito menor, não chega a R$ 2 mil.”

Fragoso disse que o serviço é complexo, pois envolve o interesse público. Para ele, não se deve pensar em privatizá-lo. Seria o mesmo que fazer dos controladores de voo, empregados das companhias aéreas, compara. “Um comandante de navio pensa em milhas; nós, em metros. Eles são pilotos de ônibus; nós, de Fórmula-1.”

Ele também rebate críticas aos salários do setor. Diz que os práticos recebem pró-labore, de R$ 5 mil a R$ 18 mil. O restante é variável. Em um mês bom, receberiam até R$ 80 mil, diz Fragoso. “A discussão é infundada. Podemos discutir o valor da praticagem, mas, garanto que o preço brasileiro está na média mundial. E este preço não afeta a competitividade do País. Se reduzirmos os preços, o frete do navio vai cair? Garanto que não, há um oligopólio no setor.”

Memória

• 1808 - A praticagem começou no Brasil com a abertura dos portos, promovida por Dom João VI, no ano de 1808. Foram implantados os primeiros Serviços de Praticagem organizados no Brasil, que apresentavam características que ainda são preservadas até os dias atuais.
• 1889 - Primeira regulamentação dos práticos no Brasil, com decreto que definia e detalhava os serviços de praticagem. Foi quando ficou mais nítido que a praticagem seria vinculada à autoridade marítima, a Marinha.
• Novos regulamentos e aperfeiçoamentos voltaram a ser publicados nos anos de 1926, 1940, 1959, 1961, 1986 e 1991, quando a autoridade marítima se desvinculou da atividade de forma definitiva.
• 1997 - Gustavo Franco, então presidente do Banco Central, afirmou em uma palestra que os práticos eram “os flanelinhas de navios”, abrindo uma discussão sobre o monopólio do serviço que acabou no Cade e que gerou um acordo do setor com os armadores.