Por que os oceanos precisam da mídia

 

Eles continuam a chamar pouco a atenção. Só ganham manchete quando tem desastre.( publicado na página 3 do jornal Folha de S.Paulo, edição de 02/05/2012) Como o naufrágio do Costa Cruzeiro ou o do Mar Sem Fim, na Antártica.

 

Do Blog Mar Sem fim

É assim em quase todo lugar. Mesmo sobrando informação, falta divulgação. Os fatos mais importantes nem sempre aparecem para o grande público, para os estudantes, para o formador de opinião. Permanecem submersos. Isso é ruim. Entorpece molas importantes numa sociedade que tem história: essas pessoas abreviaram uma ditadura e levaram um presidente ao impeachment. A elite quase ignora o que se passa em 71% da superfície do planeta.

 

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Mar Sem Fim preso no gelo

Culpa de quem? Dos jornais, da mídia?
A internet, que também é mídia, transborda de material. Claro, tem lixo no meio. Por isso existe o jornalista. Para separar o joio do trigo, colocando luz ao que estava na penumbra. É uma obrigação.
Veja a corrupção. Ela sempre existiu - assim como a corrupção do mais importante ecossistema da Terra. Mas quase ninguém investiga o que ocorre depois da arrebentação. Os oceanos ficam à míngua, enquanto os escândalos de Brasília desmoronam, muitas vezes desmascarados por obra de jornalistas.

O Ministério da Pesca não foi capaz de gerar pautas sobre a predação, quase extermínio, dos recursos marinhos vivos. Mas deu manchetes sobre desvio de verbas. Por isso eu gostava tanto do meu barco. Navegava na internet, procurando indícios. Depois, com o Mar Sem Fim, saía atrás dos flagrantes. Isso sem esquecer as ações sustentáveis, que também precisam ser divulgadas. A mídia tem o poder de gerar cópias, pode ir além de tornar públicos os malfeitos oficiais. Os mares merecem fiscalização, eles garantem a vida no planeta.

Quando fiz a série “Mar Sem Fim”, para a TV Cultura, destaquei exemplos como o da Constituição da Paraíba, de 1989, que impõe restrições aos espigões na orla do Estado, controlando a especulação imobiliária. Um modelo a ser seguido por todos os Estados costeiros brasileiros. O precedente estava na proa do Mar Sem Fim. Faltava divulgar. E provocar: se eles podem aproveitar o litoral sem destruir a paisagem e os ecossistemas marinhos, qualquer outra parte do Brasil também pode. Basta querer. O objetivo é nobre: ordenar a ocupação da zona costeira pensando nas futuras gerações, alterando ao mínimo a paisagem original e a biodiversidade ambiental.

Funciona. Eu vi, todos aproveitam.

Enquanto navegava, também denunciei a carcinicultura (criação de camarões em cativeiro), prática que vai de encontro aos mais importantes preceitos do ambientalismo e dos bons costumes políticos: introduz espécies exóticas, ao dar preferência ao camarão Penaeus vannamei, oriundo do Pacífico.

Ocupa de graça, via tráfico de influência, e depois extirpa ecossistemas fundamentais para a vida marinha, como os mangues e apicuns (áreas de preservação permanente, na época amparadas por lei).m Esses biomas protegem a linha da costa da erosão, filtram e melhoram a qualidade da água, produzem parte do oxigênio que respiramos e servem como habitat para aves marinhas e migratórias.

Causas justas também produzem resultados. Hoje, há campanhas organizadas a favor dos oceanos, como a do Greenpeace, e de manutenção da proteção legal aos mangues e apicuns, como a da S.O.S. Mata Atlântica.

Saudades do Mar Sem Fim. Mesmo sem ele, começo a gravar, em maio, uma nova série para a TV Cultura. Desta vez, com foco nas unidades de conservação da costa brasileira. Em breve no ar.

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MarSem Fim sucumbindo ao gelo na Antártida

Sobre o naufrágio do Mar Sem Fim

O barco de bandeira brasileira Mar sem Fim naufragou na Antártida neste sábado (7de abril), de acordo com informações divulgadas pela Marinha. Ninguém ficou ferido. A embarcação, do jornalista João Lara Mesquista, afundou na Baía Maxwel, em frente à Base Chilena Presidente Eduardo Frei Montalva.

Os quatro tripulantes, que gravavam um documentário na região, foram levados para a base chilena antes do naufrágio. "Pelo Mar sem Fim fizemos o que foi possível", escreveu o jornalista no diário de bordo que mantém na internet.

Acredita-se que o acúmulo de gelo comprimiu o barco, levando-o a afundar. De acordo com a Marinha, navios brasileiros ainda não conseguiram chegar ao local do naufrágio por causa da grande quantidade de gelo no mar. Com apoio dos chilenos, os militares estão adotando medidas para evitar danos ambientais.

Trajetória da expedição

O Mar sem Fim passou os últimos três anos baseado em Ushuaia, a cidade argentina mais ao Sul do continente, ponto de partida para uma série de documentários do jornalista João Lara Mesquita na Antártida. No dia 9 de março, partiu para a última viagem.

O relato dessa expedição está publicado no sítio Mar sem Fim, que o jornalista mantém na internet. Antes de deixar a embarcação, Mesquita descreveu as péssimas condições climáticas que ele e a tripulação enfrentavam:

"Tensão. Frio na barriga. Sensação de ínfima pequenez diante da poderosa força dos elementos que nos cercam: frio glacial, ventania, ondas desencontradas, barulhos estranhos e incomuns".

O barco enfrentou temperaturas abaixo dos 6 graus Celsius (ºC) negativos e rajadas de vento que ultrapassavam os 100 quilômetros por hora. "Foi assim durante 48 horas. Só parou nesta última noite", escreveu o jornalista, antes de ser resgatado.

Já na Base Presidente Eduardo Frei Montalva, Mesquita previu o destino do Mar sem Fim. Na última postagem, datada do dia 5 de abril, o jornalista contou que os chilenos, diante da entrada de ventos fortíssimos na região, já esperavam pelo naufrágio do iate brasileiro, cuja luta contra a tormenta podia ser acompanhada do continente.

"O comandante [da base] nos contou que há dois dias eles esperavam nosso naufrágio nas pedras para qualquer momento. Dormiam com as roupas secas ao lado da cama, enquanto um deles vigiava nossas manobras. O Mar sem Fim agora luta sozinho. Hoje, a temperatura desceu para menos 9ºC. O furacão deve entrar esta noite ou de madrugada. São esperados 80 nós de vento [cerca de 150 quilômetros por hora]. A temperatura deve cair para menos 14ºC. Nunca torci tanto para uma previsão estar errada. Este será o dia decisivo para o Mar sem Fim."