Blog das Águas: Acabou a diferença na America's Cup. Agora é tática!

Por Antonio Alonso - Blog das Águas

Deixo vocês hoje com as dicas de Jorge Perez Patiño, que é um aficcionado e um expert em Vela que além de ver as regatas está estudando os dados de GPS dos concorrentes:

As duas regatas do domingo revelaram algo importante: acabou a superioridade do barco kiwi. Os dois competidores estão mais parelhos do que nunca. Os números pós-regata confirmam isso. Mostram até que o Oracle tem alguns décimos a mais de velocidade no contravento e não perde mais distância nas cambadas, como acontecia antes. O que eles mudaram? Difícil saber, mas comecemos pelo mais óbvios. Eles encurtaram o gurupés em cerca de 30%, o que implica que eles não poderão mais içar uma vela Code Zero gigantesca para um dia de grande calmaria, algo que cada vez parece mais improvável. Eles economizaram pouquíssimos quilos, mas quando o jogo é tão apertado como agora, tudo conta. Há também jornalistas britânicos defendendo que Ben Ainslie mudou a maneira como os americanos cambam, que os tripulantes seguem outra "coreografia" agora. Observando as fotos com muita atenção, dá para perceber que as bolinas que os americanos usam não são as mesmas de antes (a regra permite usar até 10 pares de bolinas). Eles fizeram também mudanças mais complexas no ângulo e no raio da "J", quando descobriram que dessa maneira o barco fica mais estável ao voar (uma evolução do desenho dos kiwis). Se a velocidade gerar muita força vertical, o barco voa mais alto, mas isso faz com que o extremo da "J" saia da água e o barco começa a perder força vertical. Tudo isso foi levado em conta, e o resultado se viu na regata.

Dá para dizer que os barcos estão iguais, e isso faz com que as diferenças na regata agora dependam da tática e isso foi exatamente o que ocorreu nas regatas 9 e 10.

Na regata 9, o Oracle foi decididamente para a posição de sotavento (atrás), de maneira que os dois ficaram pela primeira vez abaixo do layline de bombordo da linha de largada. Como a largada é de través, esse layline, que marca a direção ótima para cruzar a linha, fica quase perpendicular ao vento, ou seja, se estão abaixo dessa linha, devem velejar um pouco no contravento para largar.

Uma vez ganhada a posição de sotavento, os americanos apertaram os kiwis, que se defendiam orçando a uma distância prudente, como se ainda estivessem um pouco traumatizados por terem perdido quase tudo na capotagem. Ter Ben Ainslie a sotavento deixaria qualquer um nervoso. A qualquer momento ele pode orçar bruscamente e é preciso responder rápido. Há uns 15 dias, quando o inglês timoneava o barco B do Oracle numa regata, em uma situação muito parecida, ele orçou tão rápido, que quebrou um dos timões. A questão é que os kiwis não quiseram arribar para largar junto com os americanos e ficarem mais seguros, e isso permitiu ao Oracle acelerar mais e largar na frente. O que os kiwis não contavam é que, com as novas velocidades, o Oracle se defendeu bem, tomou a liderança e os neozelandeses nada puderam fazer. Os americanos tiveram o gosto de ganhar seu primeiro ponto e a segunda regata consecutiva, mesmo depois de uma rajada claramente favorável aos kiwis. Finalmente, uma alegria para Larry Ellison, o oitavo homem mais rico do mundo, dono da Oracle e do time. 

Essa regata foi o ponto de mudança mais radical visto na America's Cup até agora.

A regata 10, talvez tenha sido a melhor desta copa e de muitas outras (Patiño está realmente gostando, porque já faz vários dias que repete a mesma coisa sobre as regatas do dia).

Ela começou parecida com a anterior, com os dois barcos se perseguindo até cair a sotavento do layline da largada. Mas dessa vez os kiwis estavam em posição favorável na pré-largada e os kiwis defenderam até a morte a posição de sotavento e a conservaram. A largada em si foi muito parecida, e ambos aceleraram a fundo, virtualmente à mesma velocidade. Ao chegar à zona de compromisso (três comprimentos de barco) da primeira boia, os kiwis conseguiram estabelecer uma sobreposição mínima, de centímetros, com o gurupés dos americanos, o suficiente para estabelecer compromisso e reclamar direito de passagem de barco interno. Nesta montagem os neozelandeses conseguiram tirar quase 100 metros de distância.

Venho então a perna de popa, sem muitas mudanças. Os kiwis escolheram a boia mais próxima da costa do gate , como costumam fazer, enquanto os americanos, para não segui-los, foram para a outra boia, como também costumam fazer. Os kiwis montaram quando os americanos orçaram, para marcar. A maré vazante, que desce da baía rumo à bóia de barlavento com mais de um nó e meio, deixou a raia bastante parelha, sem a necessidade de buscar a proteção da ilha de Alcatrazes, como ocorreu em muitas outras regatas.

Também mais perto da costa a corrente é mais forte quando baixa, por isso depois da metade do contravento os kiwis cambaram para a costa até o limite da raia e voltaram a cambar. Nesse momento, deram de cara com uma negada de mais de 10 graus e sem raia para cambar, enquanto os americanos seguiam bem. A vantagem do New Zealand de 100 metros se transformou em uma vantagem americana de mais de 20 metros. Na cruzada seguinte, os americanos estavam na frente, mas um minuto depois os kiwis voltaram a recuperar a ponta. Então veio um dos momentos decisivos, no qual apareceu o tático Ray Davies, antecipando a manobra. Os kiwis se aproximavam da boia sem direito de passagem enquanto os americanos se aproximavam. Então, primeiro os neozelandeses orçaram muitíssimo para ganhar barlavento e logo arribaram para deixar o Oracle passar. Assim cada um arribou para a boia mais próxima do gate, e ambos estavam praticamente juntos. O cronômetro oficial deu um segundo de vantagem para os kiwis. Vale lembrar que as regras permitem que o barco com direito de passagem arribe até 60 graus de seu rumo para atacar ao que vem sem direito. Muitas vezes o barco sem direito arriba muito e muito cedo, para que ao outro não convenha arribar.

Na saída da boia os kiwis puderam fazer uma boa diferença de quase 100 metros, ao sair mais arribados no outro bordo e a máxima velocidade. Até a metade do popa houve uma última situação, que muitos analistas (incluindo Ken Read, skipper do Puma na Regata Volta ao Mundo) consideraram um erro do Oracle. Os dois barcos iam se cruzar e os americanos, em vez de atacar preferiram orçar pela popa dos neozelandeses, deixando os kiwis passarem, o que deu alguns metros a mais ao New Zealand. A partir dali, restava muito pouco a ser feito.

Os neozelandeses venceram a décima regata e jogaram um balde de água fria no excelente momento dos americanos. O dia terminou empatado, mas doeu mais a vitória dos kiwis, que estão a apenas duas vitórias de levar a Copa, contra as oito que faltam aos americanos.

Nesta terça rolam as regatas 11 e 12, a partir das 17h, com transmissão ao vivo na Internet (aqui) e pelo canal ESPN +.