‘O Brasil não tem cultura náutica’, diz Lars Grael

Fonte: Economia SC, por Giovana Kindlein

O velejador medalhista olímpico Lars Grael disse em Santa Catarina, no Hotel Plaza Itapema Resort & Spa, que os entraves enfrentados no Brasil para o desenvolvimento do turismo náutico ocorrem por conta de preconceito. Segundo ele, há no Brasil uma imagem antiga e equivocada de que as marinas agridem o meio ambiente e que é preciso mudar isto para o país ganhar em geração de emprego, trabalho e renda. Ele participou nesse fim de semana dos eventos em terra da Volvo Ocean Race.

Admirado por sua história de superação após o acidente em 1998 quando perdeu uma perna, o velejador palestrou na Volvo Ocean Race, na Vila da Regata, em Itajaí, na noite de sexta-feira, dia 10, sobre suas dificuldades, preconceitos, vitórias, derrotas, e o próprio acidente. Para ele, a Volvo Ocean Race é uma constatação de tudo o que se pode fazer gerando emprego, trabalho e renda de forma sustentável. Ele conversou com o Portal Economia SC sobre o assunto:

Santa Catarina se ressente muito da falta de infraestrutura de grandes marinas e os empresários do setor náutico buscam uma solução. Qual é o caminho para se chegar ao mesmo nível internacional?

O problema é, sobretudo, cultural. O país não tem cultura náutica. Há um preconceito de que marinas agridem o meio ambiente. Um exemplo disso é Miami,que tem 65 pontes levadiças na cidade. No Brasil inteiro, nós não temos uma ponte. Você vê que a relação do ser humano com a embarcação é bem diferente. Falta para a gente desenvolver esta cultura e aprovar projetos que sejam equilibrados com relação ao meio ambiente. Isso é possível e é comprovado em vários países. Então há uma imagem antiga e equivocada em relação ao que é o desenvolvimento náutico. Isso tem que mudar. O Brasil poderia ganhar muito em geração de emprego, trabalho, renda, promovendo o turismo e o esporte náutico que vem a reboque.

A questão ambiental é, em alguns casos, considerada atrasada no Brasil. Como reverter essa situação para que o Judiciário e o Ministério Público tenham uma visão ambiental diferente?

A gente precisa virar a página que nós temos hoje de um ciclo vicioso para que possamos criar um ciclo virtuoso. Hoje, o que predomina é a ignorância. A ignorância com relação ao que representa você fazer um polo náutico e marinas. Os países escandinavos, os países nórdicos, e América do Norte mostram como souberam desenvolver bem marinas de forma absolutamente sustentável. É isso que falta no Brasil. A visão que a gente tem é a visão de algumas marinas equivocadas que eram predatórias. Tem que fazer um novo modelo.

Parece uma batalha: os empresários investidores de um lado, e os órgãos ambientais de outro. Como resolver isto?

Temos que ter um novo pacto para que a gente possa desenvolver de forma sustentável um novo padrão de marinas que seja aceitável aos padrões internacionais. Nós estamos desperdiçando esta oportunidade. Isto é lamentável.

Comparativamente, como está a vela brasileira em relação aos demais países?

Acho que no nível de competidores, a vela brasileira desde 1996 se colocou como país número 1 da vela mundial naquele momento, está entre os principais países da vela olímpica. Na vela pan-americana, o Brasil é hoje líder continental. Na vela oceânica, falta muito. O país é carente de estruturas náuticas e marinas. Há muito preconceito com relação ao conceito de marinas. As marinas modernas são equilibradas no aspecto ambiental, econômico e social. Acho que isto é importante, porque desenvolve toda a parte marítima e de cultura náutica que falta ao Brasil. Com isso, a gente pode atrair eventos e promover a imagem de um Estado maravilhoso como esse.

Qual é a sua opinião sobre a presença da Volvo Ocean Race no Brasil?

A Volvo Ocean Race é um evento único. Até existem outras regatas Volta ao Mundo, mas esta é a que reúne o mais alto nível técnico. É uma regata de absoluta superação, onde o valor humano é fundamental. Disciplina, espírito de equipe, coexistência com a natureza, tirar sempre o máximo do rendimento do barco, conciliando isso com segurança, forja um tipo de atleta marinheiro exemplar. E a gente vê, dentre eles, um brasileiro como o catarinense André (Bochecha) Fonseca na sua terceira experiência de volta ao mundo. Hoje, ele é o grande herói da vela brasileira.

Qual é o ganho que o Brasil terá com as Olimpíadas do Rio-2016?

O Brasil optou por sediar grandes eventos internacionais. Começou um ciclo com os Jogos Sul-americanos em 2002, Jogos Pan-americanos em 2007, Jogos Mundiais Militares em 2011, Copa do Mundo em 2014 e tem como grande evento, agora, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos no ano que vem. É importante para a imagem do país, ao mesmo tempo em que atravessa uma crise econômica sem precedentes, o Rio de Janeiro vai ser uma nova cidade após as Olimpíadas, mas ainda enfrenta dificuldades, sobretudo, na agenda ambiental, que é muito preocupante e isso afeta justamente os esportes aquáticos e náuticos, como a vela, a maratona aquática e triathlon, onde nós estamos submetidos a uma condição ambiental lamentável.

O custo já está em quase R$ 38 bilhões, sendo que 57% desse montante são de recursos públicos. O senhor acha que vale todo esse investimento?

Eu acho que a gente já passou do ponto de discutir isto. O Brasil se ofereceu se candidatou a sediar uma Olímpiada e é um investimento altíssimo. O importante agora é trabalhar de forma correta aquilo que sempre falam na moda do legado. Nós temos cidades que tiveram uma grande transformação urbana, que foi o legado de Barcelona, o legado ambiental esportivo, por exemplo, de Sidney, e no Reino Unido que fez todo um trabalho do que fazer com toda a estrutura pós-olímpiada e temos também na Grécia, que é um legado de prejuízo econômico. Então evitar repetir o erro de Atenas e copiar a virtude dos outros.

Os brasileiros acompanham a luta dos cariocas para tentar limpar a baía de Guanabara…

Não foi por falta de aviso. Desde o processo de candidatura a gente avisava que o local ideal para vela era Búzios. Búzios, no mês de agosto, época dos Jogos Olímpicos, o regime de ventos é muito mais forte e constante e a água é limpa e não dá tempo de sujar. A Baía de Guanabara tem um regime de ventos mais fraco, variável e água imunda, e nós imaginávamos que não daria tempo de limpar. Fizeram uma promessa de despoluir 80% da baia de Guanabara, uma promessa que não tinha uma ação planejada conjunta, ou seja, era uma retórica vazia. Agora falta um ano para a olimpíada e a realidade é aquela – a baía imunda. Então, O que podem fazer são medidas paliativas para reduzir a quantidade de detritos e lixo flutuante para evitar um escândalo de uma regata cheia de lixo, o que seria um absurdo, falando-se de Jogos Olímpicos.

No que Santa Catarina deve prestar atenção para que não aconteça aqui o que aconteceu no Rio de Janeiro?

Eu acho que toda cidade de Santa Catarina tem que ter na agenda prioritária, o saneamento. Acho que o compromisso com metas em saneamento é fundamental. Se você tem um crescimento que não é sustentável, não adianta você colocar prédios e condomínios se você vai depois sujar a praia e a baía. Acho que esse crescimento aqui no Estado parece que tem uma lógica melhor com um local maravilhoso para esportes náuticos. Basta ver essa água limpa com ventos constantes. Tem tudo para que seja um polo náutico internacional cada vez mais importante.

Voltando para a questão humana, existem grandes homens inspiradores no Brasil que servem de exemplo para muita gente e você é um deles. Quais são os seus projetos hoje?

Acho que todos nós temos uma contribuição a dar à sociedade. O Brasil vive hoje uma crise de ordem ética, cívica e moral sem precedentes. Então, a gente busca, nós que somos pais e mães, valores para passar para os nossos filhos. E quando a gente procura valores referenciais, a gente encontra, sobretudo, no campo da cultura, da arte e no esporte.

O atleta carrega consigo uma responsabilidade muito grande de formar opinião para o bem e para o mal. Então, acho que você ser um agente multiplicador de valores ser uma responsabilidade importante para todos nós, eu tento ajudar como atleta que ainda sou. Continuo competindo na vela na Classe Star, na vela oceânica, vendo os nossos filhos e sobrinhos desenvolvendo no esporte. Desde 1998 nós temos o projeto Grael em Niterói (RJ) democratizando a arte da vela. Quando eu vejo o meu parceiro na vela, o Samuel Gonçalves, um ex-aluno que veio de lá do Rumo Náutico, um jovem que veio da rede pública de ensino, de origem carente ser um velejador campeão sul-americano brasileiro é motivo de orgulho.