Classe Snipe completa 90 anos

Em 1931 um novo barco do projetista William F. Crosby é conhecido nos Estados Unidos e logo ganharia notoriedade no esporte da vela. Era o nascimento do Snipe, um dos monotipos mais difundidos no mundo. No ano seguinte é criada a associação internacional da classe, a SCIRA (Snipe Class International Racing Association) cujo símbolo é a ave Snipe, narceja em português.

Crosby ficou mais conhecido como o designer da classe Snipe, embora tenha projetado outros barcos. Ele também foi editor da revista The Rudder, que publicou um artigo "How to build Snipe" na década de 30 que ajudou a propagar o barco. A praticidade na sua construção foi um dos aspectos que contribuiu para expandir a classe mais rapidamente. Atualmente está ativa em 31 países.

A SNIPE BRASILEIRA

No Brasil a classe tem um capítulo importante na história da vela que ainda não se esgotou. Na década de 1930 são feitos alguns barcos no Clube Caiçaras (RJ), mas a classe surge oficialmente em janeiro de 1943, no late Clube do Rio de Janeiro, quando conquista o diploma da SCIRA. Estava criada a primeira flotilha sob o número 159. Os seus primeiros barcos foram construídos numa oficina de automóveis no Largo do Botafogo, mas só em 1945 teve sua secretaria instituída e obteve a autorização da federação de vela nacional para funcionar no Brasil.

A sua consolidação em nosso país deveu-se muito ao trabalho de Fernando Avellar, que organizou os primeiros campeonatos nacionais e mantinha contato com associações em todo mundo.

Ficou conhecido na SCIRA como "Mister Snipe". Foi o primeiro secretário sul-americano de Snipe. Pelo seu temperamento ele era considerado uma figura meio misteriosa, pois quase não era visto nos eventos e trabalhava muito nos bastidores. A Snipe sempre foi conhecida como formadora de excelentes timoneiros e mantém a tradição de conquistas de campeonatos mundiais e Pan-americanos.

A SNIPE GAÚCHA

No início da década de 50, os anos da modernidade varreram a vela gaúcha com o Snipe que já era um sucesso em todo o mundo. Esta classe foi escolhida por Leopoldo Geyer para substituir aos veteranos Sharpies 12m que vinham perdendo importância. Os primeiros barcos construídos por Casemiro Durajski com financiamento da SAVEL (Sociedade Amigos da Vela), ainda que não alcançassem os padrões internacionais, já elevados para a época, serviram para dar início a uma metamorfose na vela em nosso Estado. Foram feitos 10 Snipes, com a supervisão de Luís Chagas, em um estaleiro localizado nas dependências do late Clube Guaíba, na Praia de Belas. Começam as primeiras medições em 13 Snipes, feitas por Edmundo Soares. Em abril de 53, o diploma 376 da filiação internacional da Flotilha de Porto Alegre é expedido pelo Sr. William Crosby, que era secretário executivo da Scira e veio a falecer pouco depois. Durante o aniversário do Clube dos Jangadeiros foi realizada uma regata de Snipes inaugurando oficialmente a classe em nosso estado.

ESTADUAL

O primeiro campeonato Gaúcho começou a ser disputado em março de 1954, com as representações do late Clube Guaíba e Jangadeiros. O Veleiros do Sul tinha acertado a construção de quatro barcos para o Clube, mas somente em 1956 teria reconhecida sua flotilha de Snipes, a Cristal, que recebeu o diploma com o número 427. Em 54 começa a construção de mais 15 Snipes: 8 no estaleiro de Roberto Funck, 7 com Casemiro Durajski, e mais 4 construídos pelo próprio Casemiro por encomenda de particulares. Por ocasião do batismo de 20 novos barcos aparece uma nova flotilha: a Rio Grande do Sul nº 426. E em 1955 ocorreria uma regata com 35 barcos. Um recorde nacional, visto que a veterana flotilha do Rio de Janeiro possuía pouco mais de vinte barcos.

Em 1955 o financiamento de mais de 10 Snipes, elevou o número para 60 barcos no Estado. Neste ano foi feita pela primeira vez uma regata de inverno "A quebra gelo" para disputar o Troféu Amizade entre Veleiros do Sul e o late Clube Guaíba. Venceram: Alcy Zamo/Erwino Schnarndorf (VDS). O Snipe se tornou mania. Alberto Linenburger dedicou-se exclusivamente à construção de Snipe e a cada três semanas um barco novo ia para a água.

A temporada de 1956 começou com grandes preparativos, pois seria realizado em Porto Alegre, o VI Campeonato Brasileiro da Classe Snipe, de 7 a 11 de março. Esta regata contou com 42 barcos, um verdadeiro recorde para a época. Os gaúchos ficam em primeiro lugar. Neste campeonato também participaram cariocas, paulistas, alagoanos, pernambucanos e capixabas. Neste ano o RS somava três flotilhas: 376 - Porto Alegre, 426 - Rio Grande do Sul e 427 - Cristal.

REGATAS INTERNACIONAIS

Porto Alegre assistiu na tarde de 5 de maio de 1957, a maior regata de Snipes realizada na América do Sul. "Quarenta e oito velas escreveram uma sinfonia de movimento que jamais esqueceremos". (Yachting Brasileiro, 1957, maio, p.12) Este fato ocorreu quando as três flotilhas gaúchas se uniram para comemorar o 25º ano, o Jubileu de Prata, da Classe Snipe no mundo. Nenhum Snipe ficou na garagem dos clubes.

Sobre este fato, o campeão mundial Boris Ostergren, 69 anos, relembra: "eu e meu irmão Niels fomos somente olhar o espetáculo. Mas, como havia barco sobrando na praia e todos Snipes deveriam ir para a água, fomos convidados pelo Cláudio Ruschel, amigo e colega de escola, a participar. Quando nos demos conta, estávamos correndo a regata junto com os outros". Porto Alegre confirmou ser o maior centro nacional de Snipe. Os campeões: Gabriel Gonzales e Nelson Piccolo.

MUNDIAIS EM PORTO ALEGRE

Em 1959 o Clube dos Jangadeiros é a sede do 199 Mundial de Snipes. O campeonato realizou-se de 16 a 25 de outubro com a participação de 58 Snipes. A regata inaugural, William Crosby, foi precedida pelo batismo de 16 dos 20 barcos construídos para a competição.

Na época, era esperado um duelo entre o campeão olímpico Paul Elvstron (dinamarquês) e "Bubi" Gonzalez campeão brasileiro. Este duelo não se concretizou devido a um sério ferimento no pé, sofrido pelo nosso velejador, tendo então sido substituído por Waldemar Bier. O Brasil ficou em 11º lugar com Waldemar Bier e Nelson Piccolo.

Em 1993 o Clube dos Jangadeiros voltaria ria realizar outro Mundial da classe Snipe. O 36º Mundial aconteceu de 1° a 6 de novembro com a participação de 46 barcos de 17 países. Os argentinos Santiago Lange e Mariano Parada foram os campeões, os gaúchos George Nehm e Fernando Krahe ficaram em segundo lugar.

Boris Ostergren e Ernesto Neugebauer foram os campeões mundiais de 1977 em Copenhagen. O timoneiro Boris comenta sobre a classe na qual conquistou muitos títulos:

A classe Snipe é um caso bem sucedido no mundo da vela. Creio que os motivos que a tornou forte foram por alguns aspectos técnicos e organizacionais. As poucas mudanças que ocorreram no projeto ao longo desses anos que permitiram os barcos já existentes de fora das competições. A criação bem organizada de flotilhas com capitães e medidores.. E a facilidade em construir um barco, as pessoas adquiriam a plantas da SCIRA. Nos anos 50 havia uns quatro construtores em Porto Alegre e até gente que fazia em casa. Nesta época todos eles eram construídos em madeira. No começo dos de 1960 aparecem os primeiros Snipes de fibra, que não eram bem visto por todos os velejadores. No entanto, a convivência com os barcos de madeira foi tranquila e por muitos anos.

As flotilhas foram surgindo conforme foi crescendo o número de barcos. Quem desejava participar do campeonato brasileiro tinha que passar por classificatórias estaduais. No começo dos anos 60 começaram a surgir as novas flotilhas que na verdade tinham o objetivo oculto de colocar mais gente nos campeonatos brasileiros. Ficaram conhecidas como "flotilhas fantasmas" o que motivou mudanças neste sistema.

A flotilha do VDS já funcionava no Cristal, antes mesmo da inauguração da nova sede do Clube em dezembro de 1959. Havia no terreno um galpão onde os barcos eram guardados e a rampa de cimento. O Campeonato Mundial de outubro de 1959 impulsionou muito a classe. Foi um grande acontecimento esportivo na cidade. A sede do Jangadeiros recebeu milhares de pessoas. Chegou de certa maneira até virar um modismo na época. Muitos jovens compraram ou construíram Snipes só porque era a “onda do momento”.

Reinaldo Conrad conquista a medalha de ouro no Pan-Americano de 1959. E os irmãos Axel e Erik Schmidt são campeões mundiais em 1961. A partir desta época os brasileiros se projetam como a grande força na classe Snipe numa sucessão de títulos nos principais eventos da vela mundial.

A classe Snipe continua atuante no mundo inteiro, mas reconheço que sua imagem perdeu um pouco de força porque não é Olímpica. Isso se deve a transformação do esporte como espetáculo de mídia. Por razões conhecidas a imprensa destaca amplamente a Olimpíada. As classes que fazem parte dela têm maior visibilidade que as outras. A Snipe aparece praticamente só nos Jogos Pan-Americanos.

Mas dentro do contexto da vela a Snipe continua sendo a classe formadora de campeões e composta por velejadores de diversas faixas etárias. No Brasil os grandes nomes do iatismo passaram por ela e por isso creio que manterá sua posição de classe "popular" ainda por muito tempo.

*Texto extraído da edição nº 122 - setembro/2011 da Revista O Minuano, do Veleiros do Sul