Memória Minuano: Madrugada - O tempo não para

A matéria especial sobre o veleiro Madrugada, publicada na edição nº 131 da Revista O Minuano, é destaque do Memória Minuano desta semana.

O texto, lançado em junho de 2013, contém algumas das histórias sobre um dos veleiros mais tradicionais no Veleiros do Sul, além de um breve relato especial de como surgiu o barco pelas palavras de Carlos Altmayer Gonçalves, o Manotaço.

Abaixo, confira a matéria na íntegra!

Madrugada: O tempo não para

Assim como certas pessoas, existem barcos que possuem carisma. O veleiro Madrugada é um desses casos. Construído na década de 70, ainda hoje é admirado com carinho pelos velejadores. Abandonado e resgatado voltou a velejar com sua antiga imponência e elegância que o tempo não lhe tirou.

Breve relato de como surgiu esse campeão
Por Carlos Altmayer Gonçalves - Manotaço

Durante a Admiral's Cup de 1977, na qual participávamos com "Orion III", certo dia, recebemos a visita de Pedro Paulo Fernandes Couto. Ele era tripulante do "SAGA", eu o conhecia de outras regatas no Rio de Janeiro. Pediu para conhecer nosso barco, no que foi prontamente atendido pelo comandante Egon Barth. Fez perguntas sobre o estaleiro e seu sócio gerente, o saudoso Plínio Froener, olhou detalhes, enfim, ficou um bom tempo conosco, buscando informações. Disse que tinha projeto de construir um Two Tonner, que era como se chamavam os barcos com até 32' de rating IOR (o "Orion III" é um desses barcos). Já estava confirmado que o mundial da classe Two Ton seria no Rio de Janeiro, em novembro de 1978, ou seja, dali a pouco mais de um ano. Retornou mais vezes durante a realização da Semana de Cowes. Numa delas, veio acompanhado do José (Pepe) Frers, já como contratado para executar o projeto. "Orion III" também foi projetado pelo estúdio Frers.

Madrugada na capa da revista Vela & Motor, de janeiro de 1979.

No retorno ao Brasil, Pedro Paulo veio a Porto Alegre para conversar com Plínio, que lhe disse que infelizmente não poderia aceitar a encomenda de seu barco, pois não tinha espaço no galpão. O barco tinha que ser entregue até setembro de 1978. Pedro Paulo ficou chateado, pois não havia no Brasil estaleiro capacitado para construir o barco, no prazo necessário. A essa altura o barco já tinha nome, "MADRUGADA”. Nome escolhido durante a Fastnet de 1977, que foi marcada por ventos fracos e calmaria nas madrugadas, durante as quais, Pedro Paulo e seus parceiros de turno ficavam matutando sobre o projeto do novo barco.

Após a reunião com Plínio, Pedro Paulo me procurou e relatou o resultado, muito decepcionado que estava. Disse-lhe que falaria com Plínio, para tentar encontrar uma solução. Consegui convencer Plínio que o barco seria muito simples, interior espartano, que não demandaria muito tempo de acabamento. Algumas partes viriam de fora, como o leme com eixo de carbono.

Surgiu então uma possibilidade, havia um pequeno terreno nos fundos do estaleiro, que estava à venda. Caso fosse comprado, seria usa do para colocar as máquinas de desdobrar madeira e sobraria espaço no galpão principal para construir o “Madrugada”.

Problema: Plínio não tinha disponível o valor do terreno e não passava pela cabeça dele pedir adiantado a Pedro Paulo esse valor, não lhe parecia ser algo eticamente correto. Conversei com Pedro Paulo, que já tinha retornado ao Rio, ele topou na hora. Dois dias depois estava aqui em Porto Alegre, fechando o negócio com Plínio.

Desse episódio, resultou que Pedro Paulo convidou-me para gerenciar a construção. Na verdade, minha função foi agilizar a parte de fornecimento de material, que não era diretamente de responsabilidade do Plínio, com objetivo de acelerar a construção. Daí resultou uma amizade que dura até hoje, velejei com o “Madrugada" em várias ocasiões, conquistando muitos campeonatos entre 1979 e 1986.

Durante esse período, era comum a participação de gaúchos em sua tripulação, cito alguns que recordo: Nelson Ilha, George Nehm, Paulo Heck, José Paulo Ilha, Person Thiessen, Reinaldo Bernardes. Depois, “Madrugada" foi vendido a Sergio Neumann, do Veleiros do Sul, que conquistou muitos títulos nacionais. Após um período de abandono, foi adquirido e recuperado por Niels Rump, também do Veleiros do Sul, e tem participado de regatas em Porto Alegre.

Com o comandante Sérgio Neumann foi campeão de Ilhabela e Circuito Rio.

 

 

 

Manter a história de um projeto bem-sucedido


Niels sentado na popa, velejando com familiares e amigos numa das Regatas Noturnas promovidas pelo Clube.

O Madrugada foi apontado por Gérman Frers como o seu melhor projeto na faixa dos 40 pés na década de 70. O arquiteto N°1 do ranking mundial concebeu na época uma mudança radical para o barco, por ser todo vazio em madeira moldada com reforço em fibra de carbono e alumínio. Considerava a melhor maneira de aproveitar a rigidez da estrutura e a leveza do conjunto. Logo de saída foi vice-campeão no Mundial de Two Ton Cup, em 1979 no Rio de Janeiro. Uma característica desse barco é que antes mesmo de vir para o Sul tinha tripulantes do Veleiros do Sul. Venceu a Regata Buenos Aires – Rio de 1979 com Nelson Ilha a bordo. A regata para o Madrugada foi um episódio hilário que dá uma história a parte e que poderemos contar mais adiante. No mesmo ano correu a Admiral's Cup, na Inglaterra, que teve Nelson Ilha e o Manotaço na tripulação e veio a sofrer um acidente que o deixou de fora da competição. Em 1988 já sob o comando de Sérgio Neumann, do Veleiros do Sul, deu continuidade à conquista de títulos dos principais circuitos nacionais: bicampeão brasileiro e Circuito Rio de 1989 e 1991, bicampeão da Semana de Vela de Ilhabela, 1989 e 1991, Campeão do Circuito de Santa Catarina, em 1990, e Troféu Seival em 1993. Então trocou novamente de mãos e o proprietário praticamente abandonou o barco. Quase foi o fim da história do Madrugada. No entanto, em 2009 o empresário e velejador Niels Rump resgatou o Madrugada e fez uma reforma. Niels conta que o barco estava “sem dono”, pois o ex-proprietário o havia deixado de lado. Parte da madeira laminada foi trocada, pintura toda nova e algumas modificações internas foram feitas para navegar com mais conforto. “Tive a preocupação de manter a identidade do barco, por isso mexi apenas no seu interno para deixá-lo com maior pé direito, banheiro fechado e cozinha. Tiramos os reforços de alumínio e colocamos anteparas. O peso ficou concentrado no meio do barco. Ele continua com suas linhas harmônicas do projeto original e um veleiro bom para regata. Quis manter a história do barco por ter sido um projeto de sucesso na vela brasileira".