O que mais incomoda na rotina de um marinheiro particular

Fonte: Revista Náutica Online

Raramente o dia a dia de um marinheiro particular prima pela completa boa vida, ainda que o barco sob sua responsabilidade praticamente só seja usado nos fins de semana. Mesmo fora de uso, seu ofício o obriga a manter o barco sempre pronto para zarpar e, principalmente, com a manutenção em dia, o que consome boas horas de um trabalho permanente. Além disso, seu serviço exige renúncias difíceis, como raramente passar os domingos com a família e não se divertir nem um pouco (cervejinha, nem pensar!) nos passeios nos quais for junto a bordo. Mesmo assim, nada disso faz parte das reclamações e reivindicações mais frequentes dos marinheiros contra os patrões, que, no caso, vêm a ser os donos das embarcações que os contratam para cuidar — e eventualmente até pilotar — o barco no seu lugar.



O capitão catarinense Ney Alírio, que transformou mais de 20 anos de experiência com barcos em um original blog náutico, ouviu dezenas de marinheiros particulares para saber o que mais incomoda estes profissionais no convívio com seus patrões, em uma espécie de queixa ao contrário, já que, geralmente, costumam ser os patrões que vivem reclamando de seus marinheiros. O resultado foi mais ou menos este aqui, nas palavras dos próprios marinheiros entrevistados — que, por razões óbvias, não estão aqui identificados.


Confira algumas respostas às queixas mais frequentes que vêm do outro lado e veja se alguma, de alguma forma, se encaixa no seu caso.


Falta de consideração

"Meu patrão acha que sou empregado doméstico e babá da família inteira. Pensa que minha obrigação é também estacionar o carro, preparar o churrasco, servir bebidas a bordo... Não sabe que a função básica de um marinheiro é zelar pela embarcação e pela segurança de todos a bordo. Só isso! E que é o mais importante de tudo."

"Fui contratado só para pilotar a lancha. Mas, duas semanas depois, meu patrão apareceu com massa de polir, para o casco, e produtos de limpeza, para a cabine. Pedi, então, aumento, mas ele não quis dar nada. E ainda saiu falando mal de mim."


Convidados mal-educados

"Não tem nada mais chato do que os convidados do patrão metidos a entender de navegação. Muitos, além de dar palpites, querem ensinar o que para eles é o certo.
E depois ainda dizem para o patrão que o marinheiro dele não sabe nada..."

"Uma das coisas que mais me magoam, depois de um dia inteiro de passeios, é ver todo mundo desembarcar na marina sem dizer nem ao menos tchau, que dirá obrigado."


Falta de confiança

"Meu patrão adora chegar de supetão na marina, para tentar me pegar de surpresa sem fazer nada. Mas ele sempre se dá mal, porque o barco vive pronto para navegar."

"Todos os dias vou até a marina e dou um belo trato na lancha de 50 pés do meu patrão. Dedico um dia da semana para cada parte do barco: camarotes, banheiros, porão, motor e, por fim, o casco, que está sempre impecável. Mas, mesmo assim, ele vive insistindo na ideia de que é possível fazer tudo isso num dia só. E que o resto do tempo eu fico fazendo nada."


Álcool a bordo

"Bebidas alcoólicas deveriam ser proibidas para todos a bordo — e não apenas para os marinheiros. Principalmente para o patrão e quem mais for pilotar o barco. Além disso, gente bêbada é sempre inconveniente e chata."

"Qualquer tipo de vício devia ser evitado a bordo de um barco — menos o do prazer, claro. Especialmente o álcool, porque ele pode gerar comportamentos agressivos e isso sempre abala o bom convívio entre marinheiro e patrão, que é algo fundamental."


Economia forçada

"Meu patrão vive mandando economizar nas despesas com o barco e até me proibiu de encher o tanque nos passeios. Para ele, tanque cheio significa mais peso e, portanto, maior consumo. Por isso, sempre partimos com menos combustível do que o recomendado. E ficamos no limite de uma pane seca. Várias vezes já voltamos com um motor só, porque não havia combustível para os dois."

"Até evito conversar detalhes técnicos do barco com os convidados, porque faz mais de três anos que o patrão não deixa nem trocar o óleo dos motores."


Desrespeito à segurança

"Meu patrão adora se exibir para os amigos e convidados a bordo. Chega a dar cavalos de pau na água, só para mostrar que a lancha não vira. Mas, qualquer dia, ela vira, sim. Só espero não estar junto."

"O lugar mais arriscado para navegar costuma ser aquele que o patrão mais frequenta, porque, justamente por isso, ele ignora os princípios de segurança. Fica de papo com os amigos, não olha direito pra frente e acelera mais do que deveria. É como nos acidentes de carro, que acontecem quase sempre no caminho de casa."


Baixos salários

"Vinte anos atrás, eu ganhava dez salários mínimos para cuidar, com um ajudante, de uma lancha de 32 pés. Hoje, trabalho sozinho numa 60 pés, com jet ski e bote de apoio e recebo pouco mais de R$ 2 mil por mês."

"Fiz uma proposta de salário, mas o dono do barco escolheu outro marinheiro, bem mais barato, que, no entanto, nunca tinha trabalhado em uma embarcação do tipo da dele. Resultado: hoje, o casco do barco está todo riscado e ele vive reclamando do marinheiro. É como diz o ditado: o barato sai caro."